domingo, 3 de dezembro de 2017

Relato da Talitta


Meu nome é Talitta, tenho 30 anos por pouco menos de 40 dias e sou ansiosa. Atualmente, não tomo nenhum remédio com propósito de controlar a ansiedade, faço apenas a terapia, e mudei completamente meus hábitos de vida, trocando São Paulo por Jericoacoara. Conheci a Natália no Cemitério da Consolação, fomos unidas pelo sarcasmo, a preguiça de encontros pessoais, e a falta de fé na raça humana. Atualmente, somos sócias nos negócios e nos dramas hipocondríacos da vida.

Assumir algumas coisas dói tanto que a gente passa anos a fio em negação absoluta.
Eu neguei internamente a ansiedade, pois ela me tirava a possibilidade de chegar no patamar de perfeição que fui construindo do decorrer da vida. Mas um dia ela se sobrepôs e passou a ser quem eu era e a definir o que eu podia ou não fazer, e eu tive que parar para entender e lidar com isso.
Faz tempo que eu quero escrever nesse espaço, mas nada nunca parecia bom o bastante.
Na minha vida nada nunca parece.
Eu fiz uma faculdade particular de ponta com bolsa, sempre achei que era o mínimo que eu tinha que conseguir.
Apesar de todos os reveses da vida, da ausência de professor de português durante dois dos três anos do ensino médio, eu uso nosso idioma adequadamente, e falo espanhol (de um curso gratuito que consegui na época da escola), e inglês (que estudei de todo jeito que deu, em aulas, cursos, gratuitos ou pagos com os estágios, empregos e ajuda do meu pai), mas eu sempre sinto como se não fosse o bastante, eu tinha que saber mais a essa altura da vida.
Eu tive alguns empregos, e sempre fui uma funcionária boa, não me contentava em estar na média, e sempre dei um jeito de me destacar de alguma maneira, mesmo que isso custasse a minha saúde e sanidade.
Eu estou nesse projeto, com dois sócios investidores, administrando sozinha uma pousada, faço de reservas ao almoço dos funcionários, e o resultado tem sido positivo, financeiramente e pessoalmente. Os clientes, os sócios e funcionários parecem felizes. Mas todo dia eu sinto que não fiz o bastante.
Pode parecer apenas uma pessoa em busca de ser melhor, mas não é isso. É uma insatisfação comigo mesma, uma eterna sensação de inadequação, um grilinho que diz na maior das realizações "não fez mais que a sua obrigação!", que faz com que eu nunca fique feliz e reconheça o que alcancei. Isso interfere nos meus relacionamentos pessoais, gerando uma frustração eterna, eu nunca me acho boa o bastante e que a outra pessoa também nunca é, pois esse patamar de perfeição é inatingível, a máxima "errar é humano" é a verdade mais sábia nesse caso.

Eu tenho feito terapia há cerca de um ano e meio, e só nessa semana consegui falar sobre isso, sobre esse sentimento que permeia todos os aspectos da minha vida, inclusive a ansiedade, que deriva muito dessa necessidade autoimposta de ser 'perfeita". Fiquei cerca de um mês sem falar com a minha terapeuta, e tive muito tempo pensando sobre isso, que eu nunca tinha a dito em voz alta porque me soa patético e longe dessa ideologia de pessoa-perfeita. 
Eu me sinto inferiorizada.
Parte da estrutura dessa questão vem da minha infância, eu tive muita gente maravilhosa me acompanhando na vida, meus pais, meus avós, minha irmã, a família da minha mãe de um modo geral, transbordavam amor e suporte do jeito que eles sabiam dar.
Mas na família do meu pai, que é uma pessoa incrivelmente iluminada, eu sofri uma rejeição velada, ninguém nunca disse que sou feia ou que não era inteligente, mas sempre disseram para todas as crianças ao meu redor como eram lindas e espertas acima da média, e para mim não diziam nada. Sempre ganhei presentes inferiores, sempre fui preterida, apesar de inserida na vida deles de algum modo. Ouvi reclamações sobre a minha mãe descaradamente, antes mesmo dos cinco anos de idade. Vale ressaltar que sempre houve uma questão por parte da família por minha mãe ter engravidado solteira, veja aí o machismo, nunca por meu pai tê-la engravidado.
Tudo isso veio a tona a alguns dias atrás, quando apareceu uma foto de infância nas memórias do Facebook, e começaram os comentários e rasgações de seda, de como um dos meus primos sempre foi fofo e ainda é, e eu me peguei vendo que em nenhum comentário disseram nada positivo, ou elogiando, fui eu quem postou a foto, meus amigos, mães de amigos, todos naquele tipico comportamento elogiativo do Facebook, mas minhas tias acharam um espaço em algo que era meu para enaltecer outra pessoa, e eu, no auge dos meus trinta anos, voltei a ser a menininha que ganhou a boneca com a cabeça quebrada, me perguntando o que faltava em mim, a menina de nove anos, com uma crise absurda de choro, pois tirou C+ em ciências, se achando um lixo.

Tive uma sessão produtiva de reconhecimento na terapia nessa semana. Entender isso me faz poder mudar, porque eu quero mudar. Mudar minhas atuais e novas relações, me deixar relaxar, entender que nada nem ninguém é perfeito, e está tudo bem. Só espero conseguir aplicar essa compreensão na prática.